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Notas sobre a literatura catarinense nº 01: Salim Miguel Imprimir E-mail

 Muito já se debateu sobre a existência – ou não – de uma literatura catarinense. Há quem prefira falar de uma literatura feita em Santa Catarina, há quem prefira negá-la, defendendo sua inclusão no contexto da literatura brasileira. Afinal, não nos soa comum o termo “literatura paulista” ou “literatura carioca”, por exemplo. Então, por que esta necessidade de classificarmos a produção dos autores nascidos ou radicados em Santa Catarina como algo diferente daquilo que se pratica nacionalmente?

Salim Miguel

Muito já se debateu sobre a existência – ou não – de uma literatura catarinense. Há quem prefira falarcapa de uma literatura feita em Santa Catarina, há quem prefira negá-la, defendendo sua inclusão no contexto da literatura brasileira. Afinal, não nos soa comum o termo “literatura paulista” ou “literatura carioca”, por exemplo. Então, por que esta necessidade de classificarmos a produção dos autores nascidos ou radicados em Santa Catarina como algo diferente daquilo que se pratica nacionalmente? De nossa parte, agrado-nos falar de uma literatura produzida a partir de Santa Catarina mas que se impõe, acima de tudo, enquanto Literatura. Porque, para o texto que se pretende literário, não há fronteiras geográficas; o desafio é, sempre, o de transformar em “universal” o “particular”, e vice-versa.

A introdução se justifica para explicarmos o que pretendemos neste espaço: discutir e apresentar livros e autores que falam a partir de Santa Catarina, ou porque nasceram neste estado, ou porque neste se radicaram. Assim, esperamos contribuir na desmistificação da tese de que não existe qualidade ou relevância naquilo que escrevem e publicam os autores catarinenses. Há muita coisa ruim, é verdade, mas também é verdade que há muita coisa boa, livros que nada deixam a desejar à Literatura (esta mesma, com L maiúsculo), como é o caso do romance “Nur na Escuridão”, de Salim Miguel.

Nascido no Líbano em 1924, Salim Miguel chegou ao Brasil ainda criança. Depois de viver sua adolescência no município catarinense de Biguaçu, mudou-se para Florianópolis onde, nas décadas de 1940 e 50, integrou o movimento modernista nas artes catarinenses: o Grupo Sul – sobre o significado deste Grupo para a história das artes e da literatura precisaremos de um capítulo à parte. Juntamente com sua esposa, a também escritora Eglê Malheiros, Salim escreveu o roteiro do primeiro longa-metragem catarinense, o filme “O Preço da Ilusão”. Em 1965, depois de ser preso pelo Regime Militar (experiência que conta no livro “Primeiro de Abril: Narrativas da Cadeia”), mudou-se para o Rio de Janeiro, onde editou a revista Ficção e trabalhou para a Editora Bloch. Retornou para Santa Catarina em 1979. Jornalista renomado com passagem por diversos jornais e revistas nacionais, dentre as quais está a extinta Manchete, Salim Miguel dirigiu também a editora da Universidade Federal de Santa Catarina e a Fundação Cultural Franklin Cascaes. É autor com mais de 30 livros publicados, entre contos, crônicas, romances, depoimentos e impressões de leitura, dos quais se destacam: “A Morte do Tenente e Outras Mortes”, “A Voz Submersa”, “Nur na Escuridão”, “A Vida Breve de Sezefredo das Neves, poeta” (indicado para o Prêmio Jabuti), “Mare Nostrum” e “Jornada com Rupert”. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela UFSC e foi reconhecido como intelectual do ano pela União Brasileira dos Escritores e Folha de S. Paulo, recebendo o Troféu Juca Pato. Recentemente recebeu o prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra, reconhecimento máximo conferido pela Academia Brasileira de Letras.

Difícil indicar apenas um livro de Salim Miguel, cuja obra variada e consistente, explora diferentes gêneros e, em alguns momentos, ousa o experimentalismo, como no caso da novela “As Confissões Prematuras”. Entretanto, queremos sugerir aqui a leitura do romance “Nur na Escuridão”, cuja primeira edição veio à luz em 2004.

Em “Nur na Escuridão” (Nur, em árabe, significa luz), Salim conta a história de uma família de imigrantes árabes que emigra para o Brasil, na década de 1920, e depois se instala definitivamente em Santa Catarina. Elementos autobiográficos do autor se misturam à ficção, aspecto recorrente em suas obras, o que confere a este romance um grande nível de dramaticidade e humanidade. Logo no primeiro capítulo somos apresentados à angústia de um pai de família libanês que desembarca com toda sua família e pertences no porto do Rio de Janeiro, sem conhecer uma palavra de português ou qualquer outro idioma que não fosse o árabe, desprovido de informações sobre o Brasil e, no bolso, apenas um papel com o endereço incorreto de um parente seu. O torvelinho de pessoas, a barreira da língua e da cultura, os filhos, esposa e pertences espalhados na calçada e a indefinição de um destino, dão a idéia das dificuldades que estes personagens enfrentarão na construção de suas histórias em terras catarinenses.

Ao abordar literariamente a imigração libanesa, Salim Miguel, contribui com o aprofundamento do debate acerca da constituição deste povo miscigenado, dá um caráter de novidade a uma literatura que sempre teve nos elementos germânico, açoriano e italiano sua principal matéria-prima e dialoga inteligentemente com a história brasileira.

Vale a pena ler “Nur na Escuridão”, um clássico nascido das mãos e da criatividade deste líbano-biguaçuense.

Texto: Viegas Fernandes da Costa / Sarau Eletrônico

 

 
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