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Notas sobre a literatura catarinense 02: Adolfo Boos Júnior Imprimir E-mail

capaNa década de 1940 um grupo de jovens intelectuais propõe novas perspectivas para as artes em Santa Catarina. Com eles, tem início o Círculo de Arte Moderna de Santa Catarina, que mais tarde passa a ser conhecido como Grupo Sul. Grupo que assumiu a responsabilidade de introduzir o modernismo nas artes catarinenses e de incentivar o surgimento de novos nomes, principalmente na literatura. Um desses nomes é o escritor Adolfo Boos Júnior. Conheça um pouco da história do Grupo Sul e saiba mais sobre o escritor Boos Júnior, autor de contos e romances premiados, dos quais destaca-se “Quadrilátero”.

Notas sobre a literatura catarinense 02: Adolfo Boos Júnior.

Na edição anterior fizemos menção a um movimento que ficou conhecido como Grupo Sul, e dissemoscapa também que o significado deste grupo para a história das artes e da literatura mereceria um capítulo à parte. Neste sentindo, trataremos hoje de Adolfo Boos Jr, autor que, apesar de não ter sido um dos fundadores do grupo (participou dele quando este já estava quase encerrando suas atividades), carrega na sua obra o espírito daquele movimento, seja por seu caráter de experimentação, seja na radicalidade da sua proposta artística. Para Boos, em entrevista concedida ao Jornal Rascunho, “o escritor não tem que descer ao patamar do leitor, ele tem que trazer o leitor mais para perto da sua linguagem”. Ou seja, da mesma forma como os modernistas do Grupo Sul, na literatura de Boos o que importa é o uso que se faz da linguagem associado àquilo que se tem a dizer, o rigor estético e social do texto, sem concessões aos leitores e ao mercado editorial.

Também os modernistas do Grupo Sul, na segunda metade da década de 1940, queriam discutir e produzir uma arte comprometida com a ousadia estética e de linguagem. Ainda que tardiamente (o movimento modernista brasileiro data dos anos 20), intelectuais como Salim Miguel, Eglê Malheiros, Ody Fraga, Antonio Paladino, Aníbal Nunes Pires entre outros, àquela época jovens entusiastas, rebelaram-se contra o marasmo no debate artístico florianopolitano (na literatura representado pelo realismo e pelo parnasianismo), e organizaram-se no Círculo de Arte Moderna. O CAM foi responsável por uma série de discussões e produções que oxigenaram a atmosfera cultural de Florianópolis. Em 1948 lançou a Revista Sul, que existiu por impressionantes 30 números e teve sua última edição lançada em 1958 – ano em que oficialmente se encerraram as atividades do Grupo Sul. Além dessa revista, o CAM  criou um grupo de estudos teatrais, montando peças de PirandelloBernard Shaw, Sartre, Ody Fraga, entre outros; organizou o primeiro clube de cinema de Santa Catarina; produziu o primeiro longa-metragem catarinense, o filme “O preço da ilusão” (1958), com direção de Nilton Nascimento; contribuiu com a criação do Museu de Arte Contemporânea de Florianópolis; e fundou a Edições Sul, que publicou oito livros, dentre os quais está “Teodora & Cia” (1956, contos), primeiro título de Adolfo Boos Jr.

Recentemente, Adolfo Boos Jr. concedeu longa entrevista ao Sarau Eletrônico, e nesta relatou seu encontro com o Grupo Sul. Segundo Boos, corriam os anos 50, e numa certa madrugada, foi com um amigo a um bar de Florianópolis. Lá encontrou um grupo de artistas reunidos, entre eles estava um “baixinho”, Salim Miguel: “De repente esse baixinho levanta, sobe na cadeira, trepa em cima da mesa e recita uma coisa que eu nunca tinha ouvido em minha vida, que achei maravilhosa e, mais tarde, vim a saber que era o ‘Poema de sete faces’ do Carlos Drummond de Andrade. Então tu vês, madrugada, o sol querendo passar por cima do morro, a baía começando a clarear e um cara trepado em cima de uma mesa recitando o “Poema de sete faces”! Isto é inesquecível! E a conversa derivou para o ‘ele gosta de escrever’. Acabei confessando – confissões de bêbado! – que eu tinha alguma coisa escrita.” Deste primeiro encontro se evoca a carreira literária de Adolfo Boos Jr, cuja obra consolida-se hoje como uma das mais densas, inventivas e viscerais da literatura brasileira.

Após a publicação de “Teodora & Cia”, em 1956, Boos atravessou um longo interregno sem publicar novos títulos. Apenas 24 anos depois, em 1980, lançou seu segundo livro, “As Famílias”, também de contos e que recebeu o Prêmio Virgílio Várzea. Em 1986, os livros “A Companheira Noturna” (Contos) e “Quadrilátero” (Romance) receberam, respectivamente, o terceiro e o segundo lugares na Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, feito inédito em um dos principais prêmios literários do país. Depois vieram “O Último e Outros Dias” (contos, 1988), “Um Largo, Sete Memórias” (romance, 1997), “Presenças de Pedro Cirilo” (romance, 2001) e “Burabas” (romance, 2005). Lista que deve aumentar em breve, já que, na experiência dos seus 78 anos de idade, encontra-se em plena atividade criativa.

Leitor e admirador do escritor William Faulkner, o estilo de Boos, tanto no conto quanto no romance, é sempre denso, caracterizado pelo fluxo de memória, a não-linearidade, os múltiplos focos narrativos e o diálogo com a história. Em “Quadrilátero”, por exemplo, o cenário é a imigração alemã em Santa Catarina. Normalmente, os livros que tratam dessa imigração olham para o imigrante na perspectiva do herói, do homérico. Já em “Quadrilátero” temos a perspectiva humana, visceral e até mesmo escatológica da imigração. Na entrevista ao Sarau Eletrônico, Boos disse, “pensei justamente num romance que fosse o oposto. Deixar de ser uma epopéia para ser aquela colonização a que meu avô se referia.” – seu avô nasceu em Brusque (Guabiruba) e sua avó na Polônia.

Em “Quadrilátero” o projeto civilizatório do imigrante europeu fica submetido à natureza inóspita e às necessidades fisiológicas do corpo. Ao narrar a viagem de um grupo de alemães que sobem o rio Itajaí-Açú em busca da colônia fictícia de Karlsburg, o autor nos apresenta a personagens cansados e doentes, bestializados, que só não desistem do empreendimento por vergonha de assumirem sua derrota pessoal. Ficamos sabendo dos sacrifícios a que eles são submetidos, seja pela natureza, seja pela desinteria, pela fome, pelo cansaço e pelo medo. São a vergonha e o medo, apenas, que diferenciam os personagens dos demais animais. E a colônia retratada neste romance, em nada lembra as alamedas margeadas por casinhas em enxaimel. Em Karlsburg as casas são pobres, sem conforto, de chão batido, cujas dependências são divididas entre humanos e animais. São a miséria e a barbárie revestidas pelo verniz da civilização.

Há muito para se dizer a respeito da literatura de Adolfo Boos Jr, cabe-nos entretanto encerrar. Mas não sem antes lançar o convite para que a obra deste herdeiro do Grupo Sul seja lida e discutida com a atenção que merece.

Texto: Viegas Fernandes da Costa / Sarau Eletrônico. Publicado em setembro de 2009.

 
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